No romance de Laetitia Colombani, três mulheres em mundos distintos encontram força e esperança ao desafiar limites pessoais e sociais, criando uma poderosa metáfora de resistência feminina. Por Graciela Medeiros/Thaiane Machado

Foi em outubro que lemos e discutimos “A trança”, de Laetitia Colombani, uma narrativa profunda e emocionalmente envolvente sobre coragem, esperança e a força inquebrável das mulheres diante de desafios aparentemente insuperáveis. Em uma linguagem lírica e acessível, Colombani entrelaça as histórias de três protagonistas — Smita, Giulia e Sarah — que, embora vivam em mundos distintos, compartilham a luta por dignidade, liberdade e transformação.
Smita é dalit e vive na aldeia de Badlapur, na Índia. Por sua condição de nascença, é invisível para a sociedade, sobrevivendo limpando latrinas das pessoas de castas superiores e se alimentando dos ratos que seu marido, Nagarajan, conseguia pegar. Ela sonhava em dar uma vida digna para Lalita, a filha do casal que, com seis anos, não tinha expectativa de oportunidade naquele lugar, a não ser seguir o mesmo destino invisível da mãe, subordinando-se à falta de mobilidade social e se resignando que a próxima vida poderá trazer melhores condições. Smita resolve fugir da aldeia, para tentar dar a Lalita oportunidade de não colocar as mãos nos excrementos dos outros. Sem o apoio do marido, sai com a filha noite adentro, sabendo que qualquer erro ou golpe de azar pode custar suas vidas.
Giulia, italiana de Palermo, trabalha no negócio da família, o Ateliê Lanfredi, fundado em 1926 por seu avô, no qual se preparam mechas de cabelo para a fabricação de perucas. Ama o que faz e tem orgulho por ter sido ensinada por seu pai, Pietro. Um dia, na rua, vê sendo detido pela polícia um rapaz de pele escura, olhos absurdamente claros, que encontrará novamente na biblioteca da cidade. Começa então a viver encontros sem rótulos e expectativas, que preencherão sua vida de leveza, diante do duro golpe que atinge seu trabalho e sua família, que são quase indissociáveis: Pietro Lanfredi sofre um acidente de moto e fica inconsciente, entre a vida e a morte. Giulia descobre, então, que o ateliê está à beira da falência e precisa descobrir como salvá-lo.
Sarah é uma prestigiosa advogada canadense, que vive em função do seu trabalho num “dos escritórios mais bem cotados” de Montreal. O auge do sucesso é, para ela, alcançar o consagrado cargo de managing partner, cobiçado por todos os advogados associados. Enquanto isso não ocorre, vive na insana tentativa de dar conta do cuidado de três filhos e da casa, como se todos os outros aspectos da vida – família, lazer, saúde – fossem menos importantes e resolvíveis, a qualquer custo. A vida te dá uma rasteira quando ela é diagnosticada com câncer de mama e começa aí o declínio de sua ilusão de controle absoluto sobre sua vida. Sua importância no escritório diminui quando descobrem sua doença, sendo a advogada estigmatizada como incapaz de dar conta do trabalho. Isso acontece de forma velada, o que acentua a crueldade com que é descartada, sem ser formalmente. A escolha da autora por personagens de contextos culturais tão diversos — uma mulher dalit na Índia, uma jovem siciliana em crise e uma advogada bem-sucedida no Canadá — permite uma exploração rica da experiência feminina em suas diversas nuances. Colombani dá voz a mulheres que vivem em condições desiguais e que, à sua maneira, enfrentam opressões e preconceitos. Através de Smita, conhecemos a realidade de uma casta marginalizada e a luta por um futuro melhor para a filha; com Giulia, somos levados ao embate entre tradição e inovação na preservação de um legado familiar; e, com Sarah, sentimos a vulnerabilidade e o impacto de uma doença que redefine a sua identidade.
O simbolismo do cabelo, que permeia a narrativa, é magistralmente empregado como metáfora para dignidade e transformação. Ao fazer das perucas de cabelo humano o elo que une essas mulheres, Colombani apresenta o cabelo como um símbolo de sacrifício e renovação, algo que cada uma delas, em momentos de suas jornadas, perde, oferece ou utiliza para se reinventar. A "trança" que dá nome ao livro é, de fato, a união das histórias das três mulheres, em um gesto de solidariedade silenciosa e universal.
Sou apenas um elo, um ponto de união irrisório que segue firme na interseção de suas vidas, um fio tênue a uni-las, fino como fio de cabelo, invisível ao mundo e aos olhos - Laetita Colombani
Sem tempo para lamúrias, mas apenas para ações e reflexões, é exposta a coragem dessas três mulheres, de agir quando impelidas pela vida, sobre a qual não há controle garantido. Colombani captura, em um estilo direto e poético, a coragem feminina em sua forma mais pura: a capacidade de seguir em frente, de resistir, de transformar o que é dado. Ainda que não se conheçam em nenhum momento, suas histórias se tocam e permitem três finais felizes, mostrando que a solidariedade feminina existe sem ser sempre orquestrada e explícita, sugerindo que, independentemente das barreiras culturais e das diferenças de circunstâncias, há uma força universal que conecta suas lutas. De forma brilhante e sensível, a autora conduz as histórias ao desfecho, como se pegando as mechas que formam o cabelo, a trança fosse o único final possível. Laetitia Colombani constrói uma história que, embora breve, reverbera como uma homenagem às pequenas e grandes vitórias de mulheres ao redor do mundo. Em tempos de desafios globais e pessoais, o livro lembra que a força e a esperança podem ser encontradas nos laços que formamos.
Tinha de ser o livro de outubro, o livro que nos fez chorar com o peso e a esperança das nossas próprias histórias que, unidas, formam a trança da vida de mulheres fortes, frágeis, amigas, falantes e ouvintes. Como na trança e sua mistura de cabelos, a junção a partir da presença de cada uma permite a certeza de que unidas somos mais fortes, capazes de vencer os reveses da vida (viva, Marie!) e olhar com carinho umas para as outras.
Viva o outubro rosa, seu lindo livro e o maravilhoso encontro!
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