Nossos hormônios ficaram agitados com a primeira leitura do ano. "Clube do Livro dos Homens" nos fez mergulhar em um universo cada vez mais cansativo para nós: a masculinidade tóxica.
Por Thaiane Machado

[foto oficial: Amanda, Bruna, Cind, Graci, Marie, Paty, Renata, Rozane (part. especial) e Thai]
A regra básica é dita logo no começo: é proibido falar do clube do livro. Mas, por que tanto mistério? Ora, ora...imagina o que a "macharada" iria pensar desses garotos que se reunem para falar do romances lidos (ou melhor, manuais, como diz o Malcolm)? É com essa ideia que Lissa Kay Adams nos conta a história do bonitão, famoso, rico e jogador de beisebol Gavin e sua (ex) esposa Thea, uma mulher jovem, mãe de gêmeas e esposa em tempo integral - que largou a carreira para viver a vida de "esposa de jogador". A história começa com Gavin em estado deplorável por ter saído de casa após Thea pedir o divórcio. A clássica comédia romântica (bem estilo american way of life) nos revelará o que acontece nesse grupo, que se mostra empenhado em ajudar Gavin a reconquistar Thea e reatar o casamento. Como isso acontece? Lendo o romance "Cortejando a Condessa". Em meio a todo o processo de reconquista, as duas personagens principais mostram as suas principais fragilidades: Gavin, por ser gago e isso ter interferido nos relacionamentos com outras mulheres; Thea, por ter uma relação pouco amorosa com os pais e o sentimento de não ter sido uma filha amada e bem quista, principalmente por seu pai (a ponto de ser chamada por ele de uma "armadilha"). O desenrolar dessa história mostra os amigos Malcolm, o "russo" Mack e Wilson dando conselhos/regras baseados na leitura do romance.
As autoras de romance usam a sociedade patriarcal da antiga aristocracia britânica para refletir sobre as limitações impostas pelo gênero que as mulheres de hoje sofrem, tanto na esfera profissional quanto na pessoal. É uma leitura bem feminista - Lissa Kay Adams
Todas essas peripécias, no fim das contas, nos mostra uma "realidade real", ainda que saibamos que a probabilidade de homens formarem grupo de livros ser muito, muito remota. E é justamente isso que está em questão. Enquanto nós mulheres, desde muito cedo, encontramos nas amigas, parceiras, irmãs um ombro amigo para desabafar, falar das nossas emoções e tormentos, os homens veem nos encontros com os "parças" a oportunidade de falar sobre as mulheres que pegaram, as piadas (algumas vezes homofóbicas e misóginas), o campeonato de futebol e/ou reclamar de suas parceiras de forma debochada. É nesse ambiente que mora a masculinidade tóxica.
Gavin Scott, o bonitão, famoso, rico e jogador de beisebol, hesita em contar aos seus amigos que o motivo que culminou na separação foi ter descoberto que Thea fingiu orgasmo em todo tempo do seu recente casamento, ocasionado logo após da descoberta da gravidez inesperada. Atitudes como a do Gavin mostra como um conjunto de valores, crenças, ideias, comportamentos, características biopsicossociais associado aos homens - e incentivado culturalmente pela sociedade - impede que os homens sejam capazes de expressar as suas emoções e sentimentos. Afinal, homens não choram, são fortes, racionais, viris (ou seria "imbrochável", deuszémais!) etc etc.
No mundo real o segredo de Gavin seria habitualmente respondido com piadas sobre a sua virilidade e incapacidade de dar prazer à sua esposa. Teria ouvido meia dúzia de piadas, pois homens têm a incapacidade de demonstrar sentimentos, resultando em uma inteligência emocional insuficientes para lidar com obstáculos - o que os tornam agressivos, hostis e desrespeitosos. Obviamente, todas essas questões respingam e nós. Afinal, as consequências dessa masculinidade tóxica é todo aquele combo que já conhecemos: violência, gosto pela dominação, misoginia, machismo e senso de poder.
E, com isso, destruímos relacionamentos, porque nos convencemos de que é difícil demais entender nossas parceiras. Mas o problema na verdade somos nós. Achamos que não devemos sentir coisas, chorar e nos expressar... E esperamos que as mulheres façam todo o trabalho emocional. Daí, quando elas desistem, ficamos sem entender por quê. - Lissa Kay Adams
Por fim, vale a leitura. Vale mergulhar nesse mundo ideal, ainda que, do ponto de vista narrativo, o romance deixa umas pontas que mereciam mais lapidação. O final, por exemplo, parece quebrar de forma abrupta, no qual as resoluções dos conflitos acontecem de um modo filme "Sessão da Tarde". Uma das perguntas que ficou no nosso encontro é: como fazer com que os homens sejam alertados em relação a isso e possa, de alguma maneira, ser agente de transformação em suas rodas de amigos e mesas de bares? É isso que nos aflige. É isso que nos cansa dia após dia. Afinal, a revolução se faz com as mulheres, mas a evolução é uma questão social, de todos os gêneros.
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Tem leituras valiosas sobre o tema, algumas delas escritas por homens que fazem uma reflexão sobre as consequências da masculinidade tóxica e a necessidade dos comportamentos masculinos serem revistos.

"Seja homem: A masculinidade desmascarada", é escrito pelo congolês, radicado em Londres, JJ Bola. Uma leitura não ficcional, mas bastante reflexiva, a partir de suas experiências pessoais, sobre a construção da masculinidade - o que ele vai dizer que é "limitada", "limitante" e "defasada". O autor faz um belo panorama sobre os mitos atrás do que é ser homem e toca nas questões relacionadas a relacionamentos e a masculinidade trans. Um passeio pelo amor e gênero. Indico super!

Preocupado com as questões de raça, "Homens pretos (não) choram", de Stefano Volp, nos convoca a pensar na solidão masculina, em especial a do homem preto. São 3 contos que incita o debate sobre a vulnerabilidade do homem, a sua existência, ainda que chorem por seus obstáculos. Tem uma entrevista super legal com o autor, que é jornalista, roteirista e colunista da Folha de São Paulo no podcast NOIR (link aqui). O livro foi escrito no meio da pandemia e contou com uma "vaquinha"para custear a sua publicação.
Quer ver um documentário bem bacanudo? Fica com "O Silêncio dos Homens", realizado pelo Papo de Homem, uma iniciativa sem fins lucrativos e nascido na internet há 14 anos. O documentário é fruto de uma imensa pesquisa, em vários locais desse nosso país, que nos convida a pensar o quanto os homens precisam de apoio e empatia. Dados de pesquisa são trazidos e permeado por histórias de pessoas comuns, especialistas e estudiosos do tema. O ideia é mostrar que os "homens sofrem calados e sozinhos".
Quer um filme bem leve e "bobinho" para pensar no assunto? Vai na comédia "Carlinhos e Carlão", protagonizado pelo maravilhoso Luis Lobianco. Assiste ao trailer abaixo - infelizmente ele está disponível somente pela Prime Vídeo.
O encontro foi massa! O primeiro livro do ano. 2023 começou quente!!
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