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"Loucas fatais, loucas de pedra", já diz a Rita Lee

Foto do escritor: Thaiane MachadoThaiane Machado

Se tem uma artista nesse Brasil que mais cantou sobre as mulheres, essa mulher é Rita Lee. E falou muito de como a sociedade nos transformam em loucas, assim como o romance "Baile das Loucas", de Victoria Mas. Por Thaiane Machado

[foto oficial: Renata, Camila, Cind , Thai, Karolinne, Alice e Graciela]


No século XIX, um hospital psiquiátrico internava mulheres por ser mulheres. Parece uma história de ficção? Sim, de fato é. Tão ficcional quanto as reais histórias do Hospital de la Salpêtrière, no norte da França. Criado em 1670 para esconder (trancar) todos aqueles que não eram bem-vindos na sociedade, torna-se no século XIX um centro de histeria, em que mulheres eram enviadas por pais, irmãos, tios etc em caso de má conduta social. É nesse ambiente que Victoria Mas nos apresenta personagens femininas que desnudam uma série de violência contra a mulher, em um discurso de cura pela histeria. Eugénie, Geneviève, Louise e Thérèse alinhavam as suas histórias repleta de tentativas de silenciar o feminino.

Um sanatório para aquelas cuja sensibilidade não atende às expectativas. Uma prisão para todas as culpadas de terem uma opinião - Victoria Mas

Eugénie tem um dom especial: ela vê gente mortas. Para a sociedade burguesa e patriarcal isso só poderia ser estado de loucura. A mediunidade é algo desconhecido para ela até se deparar com um livro revelador, "O livro dos Espíritos", de Alan Kardec. Vê o seu avô morto a leva para o la Salpêtrière, local em que a enfermeira Geneviève se orgulha em estar - mais ainda, se orgulha de ser parte da equipe do grande médico Jean-Martin Charcot. Louise e Thérèse já conheciam bem o local quando Eugénie é compulsoriamente internada pelo seu pai. A primeira, vítima de abuso sexual pelo marido da sua tia. A segunda, prostituta que matou o seu amante, jogando-o na Ponte de La Concorde. Motivos suficientes para serem objetos de estudo do Dr. Charcot.


O que "Baile das Loucas" irá nos apresentar nessa narrativa sensível é a sororidade como instrumento de sobrevivência à aquele lugar, descrito com a frieza do inverno parisiense. Thérèse protege a jovem Louise, de estar sendo enganada por um médico residente que jura o seu amor e perspectiva de matrimônio, que por sua vez se preocupa com Eugénie, que transforma vida de Geneviève, ao revelar que vê a sua irmã morta e lhe confortar sobre a inexistência de culpa sobre a sua morte. Quatro personagens que sofrem pela violência doméstica, psicológica, machismo e tantas outras coisas tão ainda comuns nos dias de hoje.


Victoria Mas nos revela uma sociedade que nos chama de louca no primeiro momento em que tudo parece sair da normalidade. Fala de uma loucura coletiva em que não sabemos mais a diferença entre normal e absurdo. Fala de uma estrutura machista que nos coloca o tempo inteiro como histéricas. Fala, também, sobre essa fetichização dos homens aos corpos femininos vulneráveis. No final, descobrimos que o livro é uma grande denúncia sobre o feminicídio ocorrido durante anos no La Salpêtrière e, também, as prisões e mortes de mulheres que ocorrem bem perto de nós.

Enquanto os homens tiverem pinto, todo mal sobre a terra vai continuar existindo - Victoria Mas

O mais curioso (ou não) disso tudo, é que esse lugar existiu, assim como o Dr. Charcot e as Eugénies, Genevièves, Louises e Thérèses. La Salpêtrière se tornou um importante centro destinado a estudos neurológicos e psiquiátricos. A questão que fica: a que preço? Preço da loucura masculina, no qual "os homens exercem sobre os outros".


Um filme foi produzido pela Amazon Prime, lançado ano passado (segue o trailer abaixo). Vai no livro. A experiência é muito mais enriquecedora.

O encontro foi massa! Esse foi o nosso último livro do ano. Voltamos em 2023 com muito mais palavras para molhar.


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